Meados dos anos 2000, as Lan Houses viviam sua época de ouro.
Counter Strike, GunBound, Warcraft, DotA, MU, GTA, Tibia... eram muitas opções.
Até que Ragnarök chegou.
Em um esforço da Level Up! Games de popularizar o jogo por aqui, além de campanhas publicitárias massivas, eles também licenciaram o anime, trazendo-o para cá.
Sendo bem sincero, eu não ligava muito para o jogo de início, ou para MMORPGs em geral.
Mas eu era um otaquinho em formação, e ver um anime inspirado em um jogo definitivamente chamou a minha atenção.
Mesmo sem nunca ter jogado o jogo, eu assisti cada episódio e eu adorei!
O elenco principal começa enxuto e novos personagens são integrados conforme a história avança.
Ele também é bem dinâmico, com personagens saindo e retornando conforme suas necessidades e arcos pessoais.
No total, são seis personagens:
Yuufa é a noviça.
Apesar de manter um sorriso e as boas aparências, no fundo, ela ainda está de luto pela morte do seu irmão mais velho Keough.
Roan é o espadachim.
Amigo de infância da Yuufa, e seu interesse romântico, faz tudo o que ela pede e quer ficar mais forte a qualquer custo para protegê-la.
Takius é a maga.
Carrega uma venda em seus olhos e diz que está em busca da "verdade".
É fiel ao seu mestre e segue suas ordens sem questionar, por mais dúbias que possam ser.
Maaya é a mercadora.
Única sobrevivente de um naufrágio, cresceu sozinha nas ruas de Alberta.
Acredita que humanos e monstros podem conviver em harmonia e se dá muito melhor com eles.
Nunca perde a oportunidade de fazer uma venda.
Iruga é o assassino.
É um homem de poucas palavras.
Amigo de infância de Keough e antigo companheiro de Yuufa e Roan, se sente culpado pela morte do amigo.
Judia é a caçadora.
Taróloga, se apaixonou por Iruga quando ele a resgatou de uma gangue de bandidos na floresta.
Acompanha-o incondicionalmente desde então.
A única unanimidade que vamos encontrar no anime é na música. Seja em japonês original, seja dublado em português, os temas de abertura e encerramento são obras-primas que grudam como chiclete. Toma aí um pouquinho de nostalgia só para começar.
Muitos que criticam o anime de Ragnarök acabam o comparando com outros de estética MMORPG, como Sword Art Online, Overlord, Log Horizon, etc.
Na minha humilde opinião, isso é um erro.
Primeiramente, são animes de épocas diferentes.
Ragnarök - the Animation é de 2004.
Os outros exemplos são de 2012 em diante.
É quase uma década de diferença em questão de tecnologia e tentativa-e-erro.
Posso até dizer que o anime é o precursor das obras que hoje são usadas para desmerecê-lo, e isso é irônico.
Em termos técnicos, ele parece ter sido feito com um orçamento modesto, pois há frequentes repetições de cenas, principalmente quando os personagens executam ataques.
Por outro lado, ele não utiliza elementos de computação gráfica, que estavam começando a engatinhar nas animações e eram a grande tendência do momento.
O que pode ter sido uma bênção, pois o uso exacerbado desse recurso tende a datar as obras com força.
Porém, o maior erro nessa comparação é o fato de que Ragnarök - the Animation não é um Isekai, é uma aventura de fantasia medieval.
O conceito de "mundo real", "level up" e "árvore de habilidades" não existe no anime.
Não existe "metagame", nem "economia" - ao menos entre jogadores.
O "mundo real" daqueles personagens é Rune-Midgard e a vida deles acontece ali.
O anime está mais preocupado em contar a mitologia por trás de Rune-Midgard do que ser um retrato da jogabilidade.
E isso, ele faz muito bem, e com carinho, por meio das funcionárias Kafra e dos próprios atores envolvidos.
Por isso, fica aqui uma sugestão: se for assistir Ragnarök - the Animation, ou reassistir, esqueça que ele é baseado em um MMORPG.
Garanto que a sua experiência vai, no mínimo, melhorar.
O anime se esforça bastante para tentar ambientar o jogador.
Muitas reações são expressas utilizando os balões de reação do próprio jogo.
Também se fala sobre como é importante o trabalho em equipe e que não se deve "quebrar as regras".
Até porque, o público alvo é infanto-juvenil e é necessário ter o mínimo de civilidade no joguinho.
Porém, onde ele mais se destaca é no desenvolvimento dos personagens.
Yuufa é uma adolescente mimada e se aproveita do Roan porque ele faz tudo o que ela pede.
Ela diz que quer ajudar todos porque é seu dever, quando, na verdade, ela é insegura e só quer a aprovação dos outros, principalmente do seu irmão falecido.
Seu arco é entender que tá tudo bem querer ajudar os outros por satisfação própria e, principalmente, que a vida precisa seguir em frente mesmo com a partida dos seus entes queridos.
Ela não estará sozinha.
Roan também é um adolescente inseguro, principalmente quando Iruga aparece na história.
Além de demonstrar ciúmes ao ver que a Yuufa é bem apegada a ele e o trata como um segundo irmão, ele sente que não é digno de protegê-la - afinal, Iruga é mais velho e mais experiente.
Porém, mesmo quando conquista novas habilidades, ele fica na linha tênue entre a confiança e a arrogância, fazendo-o se desviar do seu propósito.
Seu arco, além de auto-confiança, é sobre ser honesto com seus próprios sentimentos e não tentar forçá-los nos outros, se permitindo a ouvir o que eles têm a dizer.
Meu único problema real com ele é a falta de uma backstory.
É possível deduzir como Yuufa entrou no grupo de Iruga e Keough - ela era a irmã mais nova de um deles.
Entretanto, nunca fica claro de onde Roan veio e como se conheceram.
Takius cresceu alienada pelos ensinamentos do seu mestre insano.
Seu arco é aprender a enxergar o mundo com seus próprios olhos (por isso, a simbologia das vendas) e ir atrás da sua própria "verdade".
Também é sobre aprender a perdoar aqueles que se arrependem de suas escolhas egoístas, mesmo nos seus últimos suspiros.
Apesar de ter o carisma e a determinação de uma vendedora, Maaya é extremamente solitária e assustada, fugindo do combate sempre quando lhe é conveniente.
A virada de chave ocorre justamente quando ela conhece o grupo e finalmente faz amigos de verdade que são humanos.
Além disso, ela é responsável direta pelo desenvolvimento da antagonista Jirtas, que acredita piamente que é impossível haver uma relação saudável entre monstros e humanos.
É um dos melhores confrontos do anime pois não é algo que pode ser resolvido em combate.
O que coloca ainda mais peso nesse embate é que Jirtas, na verdade, é meio-demônia. Sua mãe é humana e elas sofriam com o preconceito dos habitantes de sua vila-natal por acharem que ela era maligna. Isso fez com que sua mãe tivesse que abandonar a vila com ela para criá-la em uma cabana isolada, e ela fez isso sem uma gota de arrependimento para proteger a filha. Mesmo assim, essa experiência traumática é justamente o motivo do ódio da Jirtas pelos humanos. Por isso, encontrar alguém como a Maaya, que é amiga de monstros e acredita no convívio harmônico entre eles, é tão contraditório para ela.
No último capítulo, Keough, morto porém purificado, consegue se comunicar com Yuufa por meio de uma visão. Nela, ele pede para que ela não cometa os mesmos erros que ele. Em seguida, passa uma mensagem importante de que as pessoas não se entendem a não ser que se comuniquem, e que, só assim, "seus corações estariam unidos". Essa é uma mensagem a respeito dos sentimentos dela pelo Roan, mas também pode ser mais uma evidência do arrependimento dele de não ter feito tal comunicação com Iruga.
Sim, passou com notas boas.
Desmerecê-lo por não ser fiel ao MMORPG é subestimar toda a construção de mitologia e personagens que o anime proporcionou.
Ele fica bem melhor quando você entende qual é o seu real propósito.
Ragnarök - the Animation não é um anime inovador, nem tecnicamente brilhante, mas é competente no que faz.
Um arroz-com-feijão bem-feito ainda é um bom prato.
Seja aos 13 anos, ou aos 31, eu ri quando era para rir, me emocionei quando era para me emocionar e me empolguei quando era para me empolgar.
É claro que vai ter um fator nostalgia querendo falar alto.
Entretanto, mesmo assim, foi uma boa experiência ter revisitado um anime protagonizado por adolescentes inseguros.
Principalmente, quando você já é um adulto amadurecido (eu acho) e pode comparar com a visão que você tinha quando VOCÊ era o adolescente inseguro - como espectador e público alvo.
Falando em nostalgia, foi um ótimo exercício reassistir o anime para me entender um pouco melhor.
Eu sempre achei estranho o fato de eu ter tanta nostalgia por um jogo que, na verdade, eu joguei muito pouco quando adolescente.
Se eu joguei 1 hora na Lan House, foi muito.
Só fui jogar realmente depois de adulto.
E reassistir me fez descobrir o motivo: Minha nostalgia não era para com o jogo, mas com o anime, e tá tudo bem.
Quem sabe? O anime é de 2004 e o jogo está em constante atualização até hoje. Novas classes e promoções surgiram, aumentando o leque e as escalas de poder. Também temos novas cidades e masmorras, como Juno, Einbroch, Einbech, Juperos, Amatsu, etc. Temos até uma nova raça jogável. Se, um dia, quiserem fazer um novo anime, ou até mesmo uma sequência direta, material não falta.
Com ou sem remaster ou continuação, Ragnarök - the Animation vai ter um espaço merecidíssimo no meu Top 10 obras da minha vida. Até a próxima o/