Resenha: Ragnarök - the Animation

Meados dos anos 2000, as Lan Houses viviam sua época de ouro. Counter Strike, GunBound, Warcraft, DotA, MU, GTA, Tibia... eram muitas opções. Até que Ragnarök chegou. Em um esforço da Level Up! Games de popularizar o jogo por aqui, além de campanhas publicitárias massivas, eles também licenciaram o anime, trazendo-o para cá.

Sendo bem sincero, eu não ligava muito para o jogo de início, ou para MMORPGs em geral. Mas eu era um otaquinho em formação, e ver um anime inspirado em um jogo definitivamente chamou a minha atenção. Mesmo sem nunca ter jogado o jogo, eu assisti cada episódio e eu adorei!

Não tem nada mais descolado do que um assassino encapuzado de cabelo branco falar que o inimigo vai morrer em 10 segundos e um contador aparecer na tela.

A ironia disso tudo é que esse foi o último anime que eu viria a assistir em um bom tempo. No ano seguinte, eu me mudei de cidade e meus hobbies também mudaram: deixei animes e jogos um pouco de lado e passei a me dedicar ferrenhamente a música. Só voltei a assistir animes e jogar 4 anos depois. Por isso, por um bom tempo, Ragnarök - the Animation tinha sido minha última grande experiência com animes, e acabou marcando a transição da minha infância para a adolescência.

Quase 20 anos depois, com o lançamento do servidor oficial latino-americano de Ragnarök Online, resolvi revisitar o anime, em nome das boas lembranças, e também fazer a grande pergunta: Será que ele passa no "Teste dos 13 Anos"? O anime está disponível no Crunchyroll com legendas em pt-br. Mas, se você pesquisar direitinho, pode achar os episódios dublados no YouTube também 👀


Conhecendo a Equipe

O elenco principal começa enxuto e novos personagens são integrados conforme a história avança. Ele também é bem dinâmico, com personagens saindo e retornando conforme suas necessidades e arcos pessoais. No total, são seis personagens:

Yuufa é a noviça. Apesar de manter um sorriso e as boas aparências, no fundo, ela ainda está de luto pela morte do seu irmão mais velho Keough.

Roan é o espadachim. Amigo de infância da Yuufa, e seu interesse romântico, faz tudo o que ela pede e quer ficar mais forte a qualquer custo para protegê-la.

Takius é a maga. Carrega uma venda em seus olhos e diz que está em busca da "verdade". É fiel ao seu mestre e segue suas ordens sem questionar, por mais dúbias que possam ser.

Maaya é a mercadora. Única sobrevivente de um naufrágio, cresceu sozinha nas ruas de Alberta. Acredita que humanos e monstros podem conviver em harmonia e se dá muito melhor com eles. Nunca perde a oportunidade de fazer uma venda.

Iruga é o assassino. É um homem de poucas palavras. Amigo de infância de Keough e antigo companheiro de Yuufa e Roan, se sente culpado pela morte do amigo.

Judia é a caçadora. Taróloga, se apaixonou por Iruga quando ele a resgatou de uma gangue de bandidos na floresta. Acompanha-o incondicionalmente desde então.

E os Antagonistas

Keough. Ele mesmo, o falecido irmão da Yuufa aparentemente estava vivo o tempo todo, mas é um ser maligno agora. E isso vai causar um conflito interno no grupo sobre se ele deve ser eliminado ou se ainda há salvação para sua pobre alma.

Jirtas. Uma demônia que tem uma raiva imensa dos humanos e jurou exterminar todos eles. Sua aparência é baseada na monstra Zealotus, do jogo original.

Zephyr. Com evidentes traços de insanidade, é o mestre da Takius e quem a incentivou a ir atrás dessa busca incessante pela "verdade". E isso também vai causar outro conflito interno no grupo, pois já não sabem mais se devem confiar plenamente na sua companheira maga.

Lorde das Trevas. É o grande vilão, e mestre dos antagonistas anteriormente citados. Ele quer recuperar sua forma física e, para isso, precisa reunir a energia dos sentimentos negativos, ou "Sete Ambições", do povo de Rune-Midgard. Ele também é baseado no chefão de mesmo nome, do jogo original.

Com isso, temos uma noção do roteiro e assim a história se desenrola.

A abertura e o encerramento são marcantes

A única unanimidade que vamos encontrar no anime é na música. Seja em japonês original, seja dublado em português, os temas de abertura e encerramento são obras-primas que grudam como chiclete. Toma aí um pouquinho de nostalgia só para começar.

Ele não é fiel à experiência do jogador, mas isso não deveria ser um problema

Muitos que criticam o anime de Ragnarök acabam o comparando com outros de estética MMORPG, como Sword Art Online, Overlord, Log Horizon, etc. Na minha humilde opinião, isso é um erro. Primeiramente, são animes de épocas diferentes. Ragnarök - the Animation é de 2004. Os outros exemplos são de 2012 em diante. É quase uma década de diferença em questão de tecnologia e tentativa-e-erro. Posso até dizer que o anime é o precursor das obras que hoje são usadas para desmerecê-lo, e isso é irônico.

Em termos técnicos, ele parece ter sido feito com um orçamento modesto, pois há frequentes repetições de cenas, principalmente quando os personagens executam ataques. Por outro lado, ele não utiliza elementos de computação gráfica, que estavam começando a engatinhar nas animações e eram a grande tendência do momento. O que pode ter sido uma bênção, pois o uso exacerbado desse recurso tende a datar as obras com força.

Porém, o maior erro nessa comparação é o fato de que Ragnarök - the Animation não é um Isekai, é uma aventura de fantasia medieval. O conceito de "mundo real", "level up" e "árvore de habilidades" não existe no anime. Não existe "metagame", nem "economia" - ao menos entre jogadores. O "mundo real" daqueles personagens é Rune-Midgard e a vida deles acontece ali. O anime está mais preocupado em contar a mitologia por trás de Rune-Midgard do que ser um retrato da jogabilidade. E isso, ele faz muito bem, e com carinho, por meio das funcionárias Kafra e dos próprios atores envolvidos. Por isso, fica aqui uma sugestão: se for assistir Ragnarök - the Animation, ou reassistir, esqueça que ele é baseado em um MMORPG. Garanto que a sua experiência vai, no mínimo, melhorar.

É mais sobre a jornada do que sobre a missão

O anime se esforça bastante para tentar ambientar o jogador. Muitas reações são expressas utilizando os balões de reação do próprio jogo. Também se fala sobre como é importante o trabalho em equipe e que não se deve "quebrar as regras". Até porque, o público alvo é infanto-juvenil e é necessário ter o mínimo de civilidade no joguinho. Porém, onde ele mais se destaca é no desenvolvimento dos personagens.

Yuufa é uma adolescente mimada e se aproveita do Roan porque ele faz tudo o que ela pede. Ela diz que quer ajudar todos porque é seu dever, quando, na verdade, ela é insegura e só quer a aprovação dos outros, principalmente do seu irmão falecido. Seu arco é entender que tá tudo bem querer ajudar os outros por satisfação própria e, principalmente, que a vida precisa seguir em frente mesmo com a partida dos seus entes queridos. Ela não estará sozinha.

Roan também é um adolescente inseguro, principalmente quando Iruga aparece na história. Além de demonstrar ciúmes ao ver que a Yuufa é bem apegada a ele e o trata como um segundo irmão, ele sente que não é digno de protegê-la - afinal, Iruga é mais velho e mais experiente. Porém, mesmo quando conquista novas habilidades, ele fica na linha tênue entre a confiança e a arrogância, fazendo-o se desviar do seu propósito. Seu arco, além de auto-confiança, é sobre ser honesto com seus próprios sentimentos e não tentar forçá-los nos outros, se permitindo a ouvir o que eles têm a dizer. Meu único problema real com ele é a falta de uma backstory. É possível deduzir como Yuufa entrou no grupo de Iruga e Keough - ela era a irmã mais nova de um deles. Entretanto, nunca fica claro de onde Roan veio e como se conheceram.

Takius cresceu alienada pelos ensinamentos do seu mestre insano. Seu arco é aprender a enxergar o mundo com seus próprios olhos (por isso, a simbologia das vendas) e ir atrás da sua própria "verdade". Também é sobre aprender a perdoar aqueles que se arrependem de suas escolhas egoístas, mesmo nos seus últimos suspiros.

Apesar de ter o carisma e a determinação de uma vendedora, Maaya é extremamente solitária e assustada, fugindo do combate sempre quando lhe é conveniente. A virada de chave ocorre justamente quando ela conhece o grupo e finalmente faz amigos de verdade que são humanos. Além disso, ela é responsável direta pelo desenvolvimento da antagonista Jirtas, que acredita piamente que é impossível haver uma relação saudável entre monstros e humanos. É um dos melhores confrontos do anime pois não é algo que pode ser resolvido em combate.


O que coloca ainda mais peso nesse embate é que Jirtas, na verdade, é meio-demônia. Sua mãe é humana e elas sofriam com o preconceito dos habitantes de sua vila-natal por acharem que ela era maligna. Isso fez com que sua mãe tivesse que abandonar a vila com ela para criá-la em uma cabana isolada, e ela fez isso sem uma gota de arrependimento para proteger a filha. Mesmo assim, essa experiência traumática é justamente o motivo do ódio da Jirtas pelos humanos. Por isso, encontrar alguém como a Maaya, que é amiga de monstros e acredita no convívio harmônico entre eles, é tão contraditório para ela.




Maaya é, com folga, a MVP do anime.

No final das contas, a aventura não é só sobre ficar mais forte para derrotar o grande vilão. Ela é, principalmente, sobre crianças e adolescentes sorrindo, chorando, superando seus traumas, amadurecendo e sonhando por um mundo pacífico e sem preconceitos. Essa é a verdadeira lição da história, que infelizmente é ignorada por fãs mais radicais do jogo online.

Por outro lado, esse desenvolvimento tem seus elos fracos, e eles são Iruga e Judia.

Iruga é o arquétipo do personagem frio e silencioso. O problema é que ele é silencioso até demais. Ele raramente se expressa e sequer opina nas decisões do grupo. Eu consigo entender que ele também esteja de luto e traumatizado pela morte do seu melhor amigo, mas eu esperava mais iniciativas dele justamente por ser o mais experiente. Ele poderia, por exemplo, ter dado alguma orientação ao Roan quanto a suas habilidades e sentimentos. Infelizmente, um desperdício de interação. E, falando em "melhor amigo", também precisamos falar do elefante colorido na sala: seus reais sentimentos pelo Keough. O anime deixa, nas entrelinhas, inúmeras pistas em diálogos, imagens e flashbacks de que a relação entre os dois era para além de uma amizade. Porém, essa ponta sempre fica em aberto, talvez por mero tabu (estamos falando de um anime de 2004).

E foi neste momento que a porta do Armazém se abriu.


No último capítulo, Keough, morto porém purificado, consegue se comunicar com Yuufa por meio de uma visão. Nela, ele pede para que ela não cometa os mesmos erros que ele. Em seguida, passa uma mensagem importante de que as pessoas não se entendem a não ser que se comuniquem, e que, só assim, "seus corações estariam unidos". Essa é uma mensagem a respeito dos sentimentos dela pelo Roan, mas também pode ser mais uma evidência do arrependimento dele de não ter feito tal comunicação com Iruga.




Já a Judia, é o caso mais drástico. Ela dá um bom tom de comédia quando o anime quer ser engraçado, mas 90% das suas interações é ser apaixonada pelo Iruga - que sequer esboça reações - e morrer de ciúmes de quem chega perto dele, principalmente a Yuufa. Podemos contra-argumentar que ela tem o mesmo comportamento do Roan para com a Yuufa, mas o Roan pelo menos teve um arco de desenvolvimento. Ela sequer teve um de "independência emocional", muito menos uma história de fundo, o que é uma pena. Se, algum dia, este anime tiver um remake, que a dêem muito mais personalidade e ambições.


Afinal, passou no teste?

Sim, passou com notas boas. Desmerecê-lo por não ser fiel ao MMORPG é subestimar toda a construção de mitologia e personagens que o anime proporcionou. Ele fica bem melhor quando você entende qual é o seu real propósito. Ragnarök - the Animation não é um anime inovador, nem tecnicamente brilhante, mas é competente no que faz. Um arroz-com-feijão bem-feito ainda é um bom prato. Seja aos 13 anos, ou aos 31, eu ri quando era para rir, me emocionei quando era para me emocionar e me empolguei quando era para me empolgar. É claro que vai ter um fator nostalgia querendo falar alto. Entretanto, mesmo assim, foi uma boa experiência ter revisitado um anime protagonizado por adolescentes inseguros. Principalmente, quando você já é um adulto amadurecido (eu acho) e pode comparar com a visão que você tinha quando VOCÊ era o adolescente inseguro - como espectador e público alvo.

Falando em nostalgia, foi um ótimo exercício reassistir o anime para me entender um pouco melhor. Eu sempre achei estranho o fato de eu ter tanta nostalgia por um jogo que, na verdade, eu joguei muito pouco quando adolescente. Se eu joguei 1 hora na Lan House, foi muito. Só fui jogar realmente depois de adulto. E reassistir me fez descobrir o motivo: Minha nostalgia não era para com o jogo, mas com o anime, e tá tudo bem.

Vai ter continuação?

Quem sabe? O anime é de 2004 e o jogo está em constante atualização até hoje. Novas classes e promoções surgiram, aumentando o leque e as escalas de poder. Também temos novas cidades e masmorras, como Juno, Einbroch, Einbech, Juperos, Amatsu, etc. Temos até uma nova raça jogável. Se, um dia, quiserem fazer um novo anime, ou até mesmo uma sequência direta, material não falta.

Com ou sem remaster ou continuação, Ragnarök - the Animation vai ter um espaço merecidíssimo no meu Top 10 obras da minha vida. Até a próxima o/