Minha Experiência e Opinião sobre o ChatGPT (e demais IAs Generativas)

Em um momento de lazer, resolvi pegar uma engine de jogos eletrônicos e fazer joguinhos simples. Eu já tinha uma certa experiência com Unity, mas, por conta da simplicidade do projeto que tinha em mente, resolvi experimentar uma outra engine concorrente e de código-aberto: Godot. O Godot é uma engine já conhecida na comunidade e possui uma boa documentação. Porém, eu não estava com tanto pique para ler dezenas de documentações, nem ver vídeos tutoriais. Foi então que eu tive a ideia: aprender a utilizar o programa com o ChatGPT. Após muitas perguntas e algumas semanas de desenvolvimento, o projeto saiu do papel. Na verdade, mais de um. Talvez, eu esteja chegando muito tarde na discussão, mas é a primeira vez que eu a uso de forma consistente. Logo, agora eu posso falar com a consciência tranquila sobre minha impressões dessa tecnologia.


Eficaz se a referência for bem-documentada

Engines de jogos como Unity e Godot possuem uma vasta documentação online. Além disso, a internet está repleta de discussões sobre elas em fóruns de game design e programação. Todo esse conteúdo acaba servindo de base para o leque de conhecimento da IA. Em outras palavras, todo o conteúdo básico que eu poderia pesquisar ou no Google, ou no Stack Overflow, ou em fóruns dedicados, teve seu caminho encurtado em um simples rodízio de perguntas e respostas, e isso facilitou muito meu processo de aprendizado. Porém, enquanto muitas respostas tiraram minhas dúvidas, algumas soluções vieram equivocadas, especialmente as que envolviam código. O Godot, por exemplo, possui muitas versões que ainda recebem suporte oficial. Por causa disso, algumas respostas vinham com instruções e métodos defasados, ou misturadas de versões diferentes da que estava usando. Então, nesses casos, eu precisei explicar para o ChatGPT que a resposta estava errada, e recorrer a pesquisa na documentação original para encontrar a solução correta. Antes de fazer perguntas ao ChatGPT, é importante se questionar se ele mesmo tem base o suficiente para respondê-las.

Eficaz se as perguntas tiverem respostas exatas

É inevitável: Uma IA sempre terá o viés ideológico dos seus criadores e da base de dados com a qual foi treinada. Isso nos coloca em uma situação delicada ao perguntar sobre assuntos históricos polêmicos como guerras, genocídios, golpes de estado, conspirações, racismo, xenofobia, etc. Assuntos sociopolíticos têm diversos pontos de vista e desdobramentos. Até questionamentos históricos mais inocentes como "Quem inventou o avião?" ou "Quem foi o Campeão Brasileiro de Futebol de 1987" também terão seus vieses. Por isso, a resposta da IA pode acabar sendo distorcida por sua própria arquitetura, dependendo de quais pontos de vista foram usados de mais ou de menos em sua confecção. Em casos mais chamativos, são até mesmo impedidas de nos darem alguma resposta... Por outro lado, isso não exatamente se aplica a questionamentos técnicos e diretos. Durante esse mesmo tempo, também aproveitei a oportunidade para tirar dúvidas triviais de tecnologias que eu uso no dia-a-dia. Coisas como as diferenças entre sistemas operacionais de desktop e servidores, como funcionam os principais protocolos de redes, diferenças entre formatos de cores RGB e CMYK, etc. São perguntas cujas respostas seguem padrões muito bem definidos de uma indústria ou de uma ciência. No melhor dos casos, os artigos, documentos e manuais de instruções são abertos ao público. Logo, há mais segurança na resposta da IA pois há um consenso universal sobre a definição de um conceito ou evento. Se a própria humanidade não consegue chegar em um acordo sobre um tema, não vão ser as IA que vão chegar.

Eficiente se você tiver conhecimento prévio

Quando eu comecei a usar o Godot, eu tinha um objetivo claro em mente sobre o tipo de jogo que eu gostaria de fazer. Se eu pudesse resumir meu primeiro jogo no Godot em um prompt, seria: "puzzle em pixel-art retrô utilizando tilesets com câmera em resolução 4:3 e escalonamento inteiro". Puzzle, pixel-art, tilesets, scripts, resolução, objetos, transform, scenes, escalonamento, etc. São inúmeros termos técnicos cujos conceitos fui aprendendo com anos de experiência - seja acadêmica, seja profissional, seja por lazer. O mesmo vale para os scripts. Godot utiliza uma linguagem de script própria GDScript, que é muito similar ao Python, que é uma linguagem de programação que tenho uma boa familiaridade. Essa bagagem toda definitivamente tornou o desenvolvimento do meu projeto mais fácil. Se eu não soubesse absolutamente nada sobre game design e programação, meus projetos teriam levado mais uns bons meses para serem concluídos. Provavelmente, eu ainda conseguiria obter respostas do ChatGPT se eu jogasse todos esses termos no prompt, até porque seu banco de dados deve ter essas informações armazenadas em algum canto. Porém, eu não desenvolveria pensamento crítico algum e isso me tornaria dependente demais de uma ferramenta. Nessas condições, talvez fosse melhor procurar cursos e tutoriais dedicados antes de recorrer a IA.

Sobre as pegadas de carbono

Eu carrego comigo até hoje uma fala de um professor nas minhas primeiras aulas do mestrado. Pelo que eu me lembro, era: "Se você possui um modelo matemático, um algoritmo ou uma árvore de decisões exatas, você não precisa de IA". A IA que estamos empregando hoje, principalmente as baseadas em Aprendizado de Máquina (Machine Learning), trabalha com modelos probabilísticos. Isto é, por debaixo dos panos, não há uma exatidão na resposta dada pela IA. É sempre "existe N% de chance da afirmação X estar correta". Mas e quando ela não estiver? Há também muita discussão sobre os impactos ambientais que essas novas tecnologias estão causando. Sim, por incrível que pareça, eles estão lá. Ao contrário de combustíveis fósseis, cujo despejo de resíduos na atmosfera é visível aos olhos por meio da fumaça, não temos essa noção ao trabalhar com tecnologias digitais. Servidores, data centers, semicondutores, climatizadores e todo o aparato que faz a magia acontecer têm uma alta demanda de consumo energético tanto na fabricação quanto na operação. E de onde será que está vindo toda essa energia? Soluções de IA podem ser práticas para a complexidade do problema a ser resolvido, mas estamos dispostos a pagar o preço pelas incertezas e pelos impactos ambientais que ela irá inserir no negócio? Precisamos encontrar o ponto de equilíbrio entre utilizar as vantagens da IA quando aplicáceis e colocar o rótulo no produto apenas porque é tendência. Por isso, todo o questionamento sobre a implementação de uma nova tecnologia e suas consequências é sempre bem-vindo.

Sobre o elefante colorido na sala

Já dizia um filósofo da internet: "IA não 'cria'. IA 'gera'". A criatividade é algo inerente do ser-humano. IA apenas lê os dados de entrada do usuário, ultraprocessa em seus servidores e retorna os dados que ela probabilisticamente acredita ser o mais próximo (ou o menos errôneo) do requisitado. Existe uma discussão complexa sobre roubo de arte e propriedade intelectual quando se usa IA para fins "criativos". Afinal, IAs Generativas são treinadas aprendendo com todas as mídias que estão ao alcance da internet: textos, imagens, audios, vídeos, etc. A partir disso, ela gera aquilo o que seu usuário requisita. Mas qual o limite entre a "inspiração" e o "plágio"? Como lidar com direitos autorais ou com artistas que simplesmente não deram autorização para que sua obra fosse utilizada no treinamento dessas IAs? Elas responderão judicialmente por seus crimes? E seus usuários? Inclusive, chega a ser irônico. Máquinas supostamente foram criadas para fazer o trabalho mecânico e pesado, para que os humanos pudessem se dedicar às suas próprias expressões artísticas. Então, por que estamos fazendo o contrário, ou melhor, abdicando dessa expressão?

No final das contas, é uma ferramenta

As discussões éticas sobre soluções em IA estão longe de acabar - na verdade, estão só começando -, mas acredito que é uma tecnologia que veio para ficar. O que não podemos é confiar cegamente e nos tornar dependentes de (mais) uma. Sem a intervenção humana, a IA seria jogada no mais puro caos que rege o Universo, um caos que a humanidade não tem a menor compreensão de lidar. E acredito que não queremos arrumar mais problemas do que já possuímos. É aguardar os próximos desdobramentos dessa revolução.

Até a próxima! o/